A grande viagem – Parte 2

Parte 1

Carlinhos achou engraçado ver o pai dormindo numa cama de solteiro, afinal, cama de adulto é cama de casal. Quando ele acordou, Carlinhos fingiu que ainda dormia mas logo ouviu uma voz carinhosa a sussurrar.

“Carlinhos, acorda… nós temos muita coisa pra fazer hoje”.

O menino abriu os olhos devagarinho e improvisou um bocejo bem falso.

Meio atrapalhado, o pai se viu pela primeira vez sem a assistência da esposa nestes assuntos matinais e  não sabia o que fazer primeiro.

“Tá com fome meu filho? Vamos descer pro restaurante e tomar aquele café da manhã! Põe o tênis. Não, primeiro vamos colocar uma roupa. Que camiseta você quer usar? Ah, mas você ainda não escovou o dente, vamos escovar os dentes.”

Por fim, checou o filho dos pés a cabeça: cabelo penteado, roupa limpa, cadarços amarrados.

“Vamos, Carlinhos?”

“Mas pai, você vai de cueca?”

Ele deu uma risada profunda, daquelas que só dava quando o filho mais velho, Juca, aprontava uma das suas. Na ansiedade de deixar Carlinhos pronto, esquecera de se arrumar. O rosto do menino se iluminou. Não era todo dia que se provocava o riso de um grande comediante.

Sem a concorrência bárbara existente numa casa com cinco irmãos, Carlinhos pode pela primeira vez, experimentar vários privilégios. Apertou sozinho o botão no elevador. Comeu apenas o que tinha vontade de comer. A pedido do pai escolheu qual carro alugariam naquele dia. Carlinhos escolheu um amarelo.

Eram enfim, dois solteiros prontos pra curtir a Disney. Foram 15 dias descobrindo os mais fantásticos brinquedos, nadando no parque aquático, admirando os pulos dos golfinhos, abraçando o Mickey e sua turma… Mas principalmente, 15 dias inteiros em que Carlinhos passou de mãos dadas com seu pai.

E que mudança esses dias provocaram! Depois de tanto gritar de emoção no barco viking, Carlinhos passou a falar alto, impostar a voz, cada palavra sua fluindo claramente. Depois de admirar a queima de fogos no castelo da Cinderella, Carlinhos se sentiu leve: não existia problema no mundo que um show tão bonito não pudesse levar embora. Finalmente na maior  montanha russa da Disney, ao lado de seu pai, Carlinhos não teve dúvidas e levantou os braços sem medo na hora que o trem passou pelo looping.  Admirado, o pai percebeu que o menino estava pronto pra encarar a vida de frente. A partir dessa viagem, Carlinhos mudou completamente: passou a se sentir importante.

A grande viagem


O pai de Carlinhos era um grande comediante, mas Carlinhos, era uma criança triste.

A mãe, era uma modelo famosa, mas Carlinhos não era bonito.

Tinha quatro irmãos, dois mais velhos e dois mais novos. Juca era o engraçado, Marcelo era o peralta, Júlio era o bonito e Marcos era o inteligente. Carlinhos não era nada.

O pai fazia piadas, palhaçadas e de tudo brincava. Deu a ele um carrinho, um pônei, um walkman da sony. Pôs na aula de teatro, desenho, caratê… pra quê? Nada de Carlinhos se animar.

Até que um dia o pai veio com um papo diferente.

“Carlinhos, nós vamos fazer uma grande viagem. Só você e eu.”

“Carlinhos, falta uma semana pra nossa viagem. Nós vamos ficar 15 dias na Disneylândia.”

“E a sua mala, Carlinhos? Faz calor na Flórida, onde estão suas bermudas?”

Finalmente o grande dia chegou. Eles acordaram bem cedo, mais cedo do que a hora de ir pra escola. Enquanto os irmãos vestiam seus uniformes resmungando, a mãe de Carlinhos escolheu pra ele uma roupa bem colorida.

No saguão do aeroporto, Carlinhos só conseguia ver pernas de adultos bem compridas, passando pra lá e pra cá. Segurava a mão do pai com força, temendo se perder naquele mar de pernas sem rosto.

Aconteceu ainda na fila do check in. Depois de rodeá-lo como quem não quer nada, uma senhora de idade se aproximou com a filha que trazia a câmera fotográfica já em punho. Tinha os olhos arregalados e um sorriso bobo no rosto. Assim que o cumprimentou pelo nome já se colocou ao seu lado, pedindo pra bater a foto. O flash chamou a atenção dos presentes e de repente todos sabiam que o grande comediante estava lá. Vieram então umas moças mais novas, um grupinho de crianças e até os funcionários da companhia aérea que mesmo acostumados com a presença de artistas no aeroporto,  quiseram autógrafos. Todos chamavam a atenção do pai de Carlinhos e o garoto sumia, encolhido ao lado da bagagem.

continua…